Autor: BATISTA, Leonard

RESUMO: Existe um debate acalorado acerca da natureza jurídica das horas extraordinárias refletindo diretamente sobre a possibilidade de incidência da contribuição previdenciária sobre esta verba. O Supremo Tribunal Federal tomou posição favorável aos contribuintes, entretanto o Superior Tribunal de Justiça ainda mantém resistência a modificar seu entendimento contrário até então cristalizado. Diante disso torna-se necessário abordar o ponto de vista destes Tribunais para extrair a correta aplicação da norma, tanto do ponto de vista da legislação federal quanto no plano constitucional.

Horas Extras

Nas palavras de Mauricio Godinho Delgado: "Jornada extraordinária é o lapso de trabalho ou disponibilidade do empregado perante o empregador que ultrapasse a jornada padrão, fixada em regra jurídica ou por cláusula contratual".(1) E ele ainda arremata diferenciando que a remuneração paga pelas horas extras é apenas efeito comum da sobrejornada, mas não seu elemento componente necessário.

O conceito de Amauri Mascaro Nascimento considera ainda os instrumentos permissivos, listando-os.

"Horas extraordinárias são as excedentes das normais estabelecidas em um dos instrumentos normativos ou contratuais aptos para tal fim, de modo que a regra básica da sua verificação não é a da invariabilidade, mas a da pluralidade da sua configuração, porque tanto excederão as horas normais aquelas que ultrapassarem a lei como, também as leis fixam diferentes jornadas normais, e, ainda, os convênios coletivos podem, por seu lado, respeitados os máximos legais, determinar, fruto da autonomia coletiva das partes, outros parâmetros que os contratos individuais não podem, por sua vez, desrespeitar in pejus."(2)

Em ambos os casos concordam os autores que as horas extras ou suplementares são aquelas trabalhadas além da jornada normal de cada empregado, tratando-se de exceção ao limite de horas diárias fixadas em lei ou convenção.

Natureza Jurídica

Existem duas correntes acerca da natureza jurídica das horas extraordinárias que apresentam sólidos argumentos para fundamentar seus pontos de vista.

A primeira corrente entende que as horas extras têm natureza remuneratória. Fundamenta sua posição com base no art. 7º inciso XVI da Constituição Federal, dizendo que o legislador ao se referir às horas extras utiliza o vocábulo "remuneração".

"Art. 7º -

(...)

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal."

Acrescentam ainda que sendo as horas extras modalidade de adicional, seria uma forma especial de pagar o trabalho realizado em condições também especiais, o que não desvincula a origem que é a retribuição pelo trabalho, em que, tão somente há umpluspelo exercício laboral ter ocorrido em circunstância fora do normal. Ainda arrematam dizendo que a indenização visa ressarcir um dano, o que não ocorre com o trabalho extraordinário.

A segunda corrente entende que as horas extras têm natureza indenizatória. Fundamentam o posicionamento no fato de que a jornada de trabalho não pode ser analisada somente pelo prisma econômico, na medida em que estudos e pesquisas confirmaram o potencial nocivo que a prolongação da jornada de trabalho pode causar ao funcionário.

Neste aspecto argumentam que as horas extras são pagas pelo trabalho realizado no período de descanso do obreiro, não guardando, assim, caráter meramente econômico, sendo que atualmente tem sido vista pela doutrina sob a ótica da saúde e segurança do trabalho.

Com isso, a lei ao fixar limites para a jornada diária, demonstra a preocupação do legislador com a redução de riscos inerentes ao trabalho como disposto no inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal. A partir deste raciocínio passa a dizer que os valores pagos a título de horas extras têm caráter indenizatório, vez que ocorre de uma violação ao seu direito de ter um período de descanso entre jornadas.

Nos Tribunais verificamos que a jurisprudência dominante do STF é no sentido de que as horas extras têm natureza indenizatória (v.g. RE-AgR 545.317-1). Já no âmbito do STJ a jurisprudência sustenta que as horas extras têm natureza remuneratória (v.g. REsp 1149071/SC).

Todavia independente da natureza jurídica, outra questão deve ser analisada quanto à possibilidade de incidência da contribuição previdenciária sobre as horas extras: a habitualidade.

Transitoriedade da Verba

Para aqueles que entendem que deve incidir a contribuição previdenciária sobre as horas extras um forte argumento é de que o § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212/91 lista as verbas que não integram o salário de contribuição:

"Art. 28 -

(...)

§ 9º - Não integram o salário de contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:"

O referido parágrafo não traz em sua relação a exclusão das horas extras do salário de contribuição.

Entretanto na alínea e, item 7 do mesmo § 9º há um ponto a ser observado:

"e) as importâncias:

(...)

7. recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário;"

Com isso as verbas recebidas a título de ganhos eventuais não integram o salário de contribuição de acordo com a Lei nº 8.212/91, inclusive a Constituição Federal também traz em seu bojo previsão semelhante.

"Art. 201 -

(...)

§ 11. - Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei."

Assim, cumpre analisar se as horas extras configuram ganhos habituais, e consequentemente se enquadrariam na norma liberatória.

Podemos buscar a doutrina de Delgado que já defendeu a natureza remuneratória das horas extras, e que por outro lado sustenta que esta verba tem caráter de salário condição.

"As horas extras e seu adicional têm caráter de salário condição, conforme jurisprudência hoje dominante (o Enunciado 76 que expressava entendimento contrário foi, desde 1989, revisado pelo Tribunal Superior do Trabalho - Resolução 01/89, publicada em 14.4.1989). Isso significa que tais verbas podem ser suprimidas, caso efetivamente desaparecido o trabalho extraordinário (Enunciado 291, TST, que produziu revisão do antigo Enunciado 76)."(3)

Tendo em vista que as horas extras são ganhos eventuais e condicionados ao fato gerador, no caso, a execução de trabalho além da jornada contratada, conclui-se que enquadra-se tanto ao disposto no § 11 do art. 201 da Constituição Federal quanto na alínea e, item "7", § 9º, da Lei nº 8.212/91.

Importante ressaltar que a Receita Federal interpreta a alínea e, item "7", § 9º, da Lei nº 8.212/91 no sentido de que tanto os abonos como os ganhos eventuais devem estar expressamente desvinculados do salário, e por esta interpretação as horas extras não estariam inclusas. Isto pode ser verificado no julgamento da Delegacia da Receita Federal de Julgamento do Rio de Janeiro acórdão 12-19557 do qual segue a ementa:

"EMENTA: DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. GANHOS EVENTUAIS E ABONOS NÃO DESVINCULADOS DO SALÁRIO POR LEI. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. I - O direito de a Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído. II - A declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de leis e atos normativos é prerrogativa do Poder Judiciário, não podendo ser apreciada pela Administração Pública. III - As importâncias recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos não integram o salário de contribuição somente quando expressamente desvinculados do salário por força de lei, consoante o disposto no item 7, alínea e, § 9º, art. 28, da Lei nº 8.212/91 e alínea j, § 9º, art. 214, do RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99. Período de apuração: : 01.01.02 a 31.01.02, 01.01.04 a 31.01.04, 01.02.06 a 28.02.06"

Contudo não é este o posicionamento do STF, que em suas decisões não cita como requisito a desvinculação do salário, mantendo sua análise com base no art. 201, § 11 da Constituição Federal que não inclui este requisito. Assim, tal postura nos leva a crer que a interpretação que prevalece é de que a desvinculação do salário é requisito para os abonos, e não para as importâncias recebidas a título de ganhos eventuais.

Os Funcionários Públicos

Os funcionários públicos com o objetivo de afastar a incidência de contribuição previdenciária sobre verbas que entendiam não constituírem salário de contribuição levaram a questão ao Supremo Tribunal Federal.

No STF, ao analisar as horas extras dentre outras verbas, os Ministros ponderaram sobre matéria constitucional afeta ao regime próprio dos servidores públicos juntamente com o regime geral.

Isto porque o art. 40 da Carta Magna, com o advento da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, teve acrescido o § 12 com a seguinte redação.

"§ 12. - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social."

A partir daí a questão dos servidores foi analisada com base no § 11 do art. 201 da Constituição Federal, onde podemos destacar trecho do voto do Ministro Eros Grau no AI-AgR 603.537/DF.

"Ademais, conforme dispõe o art. 201, § 11, da Constituição, "os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei."

3. Dessa maneira, somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Aliás, e não poderia ser de outro modo,conforme dispõe a Lei nº 9.783/99, em seu art. 1º, parágrafo único, a contribuição previdenciária do servidor público incide sobre a totalidade da remuneração, entendendo como remuneração, para esse fim, "o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias estabelecidas em lei (...)"."

As reiteradas decisões do STF em recursos de funcionários públicos influenciaram outros Tribunais, que até então analisavam unicamente a natureza jurídica das horas extras, e consequentemente, por entenderem se tratar de verba remuneratória, negavam provimento. Entretanto passaram a adotar o posicionamento do Pretório Excelso.

Até mesmo o STJ que já tinha pacificado a matéria sem qualquer variação, começou a proferir decisões no sentido de unificar a jurisprudência com o STF.

Podemos destacar trecho de acórdão relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques onde fica clara a divergência entre o entendimento daqueles Tribunais de superposição.

"Inúmeros julgados oriundos das Primeira e Segunda Turmas deste STJ assentam-se na linha de que o acréscimo de 1/3 sobre a remuneração de férias e o pagamento de horas extraordinárias, direitos assegurados pela Constituição aos empregados e aos servidores públicos, além dos adicionais de caráter permanente (Lei nº 8.112/91, arts. 41 e 49), integram o conceito de remuneração, sujeitando-se à contribuição previdenciária. (...)Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal vem externando o posicionamento pelo afastamento da contribuição previdenciária sobre o adicional de férias e horas extras sob o fundamento de que somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor devem sofrer a sua incidência (...) Nesse contexto, e com vistas no entendimento externado pelo colendo STF, o inconformismo deve ter êxito para se declarar a não incidência da contribuição previdenciária sobre o adicional de férias e horas extraordinárias (...)" (REsp 764.586/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26.8.2008, DJe 24.9.2008.)

Assim até mesmo o STJ já vem apresentando posições favoráveis a não incidência de contribuição previdenciária sobre as horas extras. Contudo cumpre observar que ainda não é a posição dominante naquele Tribunal, tendo em vista que a maioria dos Ministros ainda analisa a questão sob o prisma da natureza jurídica e da inexistência descrição expressa no § 9º da Lei nº 8.212/91.

Da Medida Provisória nº 556, de 23.12.2011

A MP nº 556/2011 introduziu alterações na Lei nº 10.887/04 cumprindo destacar a inclusão dos incisos VII ao XV ao § 1º do art. 4º Mais especificamente o inciso XII, determinando que as horas extras "adicional por serviço extraordinário" não será mais base de contribuição o vencimento do cargo efetivo.

Com isso o Poder Público reconhece aquilo que o STF já pacificou. Como já verificamos no capítulo anterior o Supremo Tribunal Federal já há anos decide de forma invariável que as horas extraordinárias não servem de base para incidência de contribuição previdenciária.

Inclusive os funcionários públicos do judiciário já tiveram esta questão analisada pelo Conselho Nacional de Justiça, onde o Conselho Superior da Justiça do Trabalho apresentou consulta, instaurando os Procedimentos de Controle Administrativo ns. 183 e184, e ficando assim decidido:

"PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 183

RELATOR: CONSELHEIRO ALEXANDRE DE MORAES

REQUERENTE: CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO - CSJT

REQUERIDO: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Assunto: Recursos Humanos - Matéria administrativa - Restituição PSSS Horas Extras

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 184

RELATOR: CONSELHEIRO ALEXANDRE DE MORAES

REQUERENTE: CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO - CSJT

REQUERIDO; CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Assunto: Recursos Humanos - Matéria administrativa - Restituição PSSS relativo ao terço de férias desde a admissão

DECISÁO:

'O Conselho, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido formulado nos procedimentos de controle administrativo acima referidos, decidindo pela não incidência de contribuição previdenciária do servidor público sobre parcelas não computadas para o cálculo da aposentadoria (horas extras e 1/3 de férias); bem como pelo indeferimento do pedido de devolução administrativa imediata do PSSS descontado sobre o valor das horas extras prestadas e do 1/3 constitucional de férias desde a admissão, oficiando-se, porém, os tribunais no sentido de cessarem imediatamente o referido desconto. Caso ainda estejam efetivando-o, bem como para que equacionem a devolução, nos temos da legislação pertinente, nos temos do voto do Relator. Determinou-se, ainda, a expedição de ofícios a todos os Tribunais do país, inclusive os militares, para ciência da decisão. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Ellen Gracie (Presidente), Antônio de Pádua Ribeiro (Corregedor Nacional de Justiça), Ruth Carvalho e Joaquim Falcão. Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Vantuil Abdala.

Plenário, 14 de novembro de 2006

(Consulta apresentada pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho, processo autuado sob nº 205.2006.000.90.00-8)." (grifo nosso)

Com isso não resta dúvidas que esta alteração legal somente veio a confirmar aquilo que o judiciário vem decidindo há muito tempo e que agora resta consolidado.

De fato esta Medida Provisória é uma vitória para os servidores que não mais necessitam ajuizar ações para verem este direito reconhecido, assim como verificamos que a MP também afastou a incidência sobre o adicional de férias e o adicional noturno.

Entretanto, há que se registrar que a referida MP poderia estender seus efeitos também para o segurado do Regime Geral, tendo em vista que se tratam das mesmas verbas. Assim, apesar de se ter evitado milhares de ações de funcionários públicos, os segurados do regime geral e as empresas que também contribuem, ainda necessitam recorrer ao judiciário para afastar a referida contribuição.

De outra face, a MP nº 556/2011 será mais um argumento a ser utilizado pelos segurados e empresários para afastar as horas extras da base de cálculo da contribuição previdenciária.

Conclusão

Atualmente prevalece a corrente que defende a natureza jurídica das horas extras como remuneratória, contudo defendemos que se trata de um adicional condicionado com natureza indenizatória.

A respeito da incidência da contribuição previdenciária, entendemos que mesmo se considerar as horas extras como remuneratórias, elas são verbas eventuais e condicionadas, e, consequentemente, se enquadram nas exceções da alínea e, item "7", do § 9º, da Lei nº 8.212/91, e do § 11 do art. 201 da Constituição Federal.

Com relação à MP nº 556/2011 foi acertada a sua edição, na medida em que confere ao servidor público um direito que até então era necessário recorrer ao judiciário para ver reconhecido, no entanto, o poder executivo errou ao deixar de estender o alcance ao empregado do regime geral, tendo em vista que se trata da mesma verba.

Notas

(1) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6.ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 890-891.

(2) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 21. Ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 906-907.

(3) DELGADO, Mauricio Godinho... p. 908.

Fonte: Editora Magister